quinta-feira, 29 de outubro de 2015
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
Conjunção (intemporalidades do ser)
«Vi na minha
lembrança, isto é, recordei: chamei ao espírito - exercendo uma faculdade dele
- a poeira dos objectos: a imagem»
«A minha face
é um buraco negro onde a alma se abisma»
«O eu debaixo
de mim plataforma onde ando e me deito em equilíbrio, trampolim de onde salto
até à manifestação da minha aparência»
«Despeço-me do
ar. O ar é o último sítio de que me despeço, guardo memória do ar para depois
[de morrer] a minha alma respirar.
«Estou
semi-consciente nas convulsões»
«Pus as mãos no meu coração e elas desapareceram, meu coração antropófago. Tenho as mãos presas»
«Eu respiro a
aura das pessoas»
«Meu corpo é
uma lesão. Alma e corpo ajustam-se, devoram-se um ao outro e eu desapareço»
«Esta sombra
caiu do sítio mais puro do céu. toda ela é essência e luz»
«A lua caiu na
noite do meu peito, gelo aquecendo o meu útero»
«Tenho a
esquizofrenia das sereias: gostava de ter carne para amar os homens mas sou só
espírito.» [eu sofria de anorexia, pesava apenas 35 kg)
«Pesar as
imagens interiores? Elas não têm peso? Ó, são elas que como pedra me fazem ter
os pés na terra»
«Escrever: pôr
em acção o próprio ser»
«Introspecção:
abrem-se muitas portas mas o caminho é só um, o dos abismos»
«A alma gravita
em torno de mim, é o meu cometa [porque me segue], enquanto o corpo anda
rectilineamente, é o meu cometa perpendicular»
«É
da alma que me vem o ar. O ar é interior em mim»
in: Fragmentos sem data de um diário
notas, apontamentos ficcionados
(o «eu» como investigação e matéria fundadora de Criação)
terça-feira, 20 de outubro de 2015
Um poema de Ingeborg Bachmann
KEINE DELICATESSEN
SEM ACEPIPES
SEM ACEPIPES
Já
nada me agrada.
Deverei eu
Aprendi a
entender as coisas
com as
palavras
que
existem
(para a
classe mais baixa)
Fome
Vergonha
Lágrimas
e
Trevas.
Com o
soluço impuro,
com o
desespero
(e eu
desespero ainda com o desespero)
por tanta
miséria,
pelo
estado do doente, pelo custo de vida,
sobreviverei.
Não
descuido a escrita
mas a
mim.
Os outros
sabem
sabe Deus
o que
fazer com as palavras.
Eu não
sou o meu médico assistente.
Deverei
eu
prender
um pensamento,
conduzi-lo
à cela iluminada de uma frase?
Alimentar
o olhar, o ouvido
com nacos
de palavras de primeira qualidade?
Estudar a
líbido de uma vogal?
Investigar
a cotação erótica das nossas consoantes?
Terei eu,
com a
cabeça desfeita pelo granizo,
com a cãibra
da escrita nesta mão,
sob o
peso de trezentas noites,
de rasgar
o papel,
varrer as
tramas de óperas de palavras,
destruindo
assim: eu tu e ele ela isso
nós vós?
(Devo.
Devem os outros.)
A minha parte – que desapareça!
A minha parte – que desapareça!
In:
III. ÚLTIMOS POEMAS (1957-1967)
INGEBORG
BACHMANN, O TEMPO
APRAZADO
POEMAS
(1953-1967)
edição bilingue selecção, tradução e introdução JOÃO BARRENTO JUDITE BERKEMEIER
edição bilingue selecção, tradução e introdução JOÃO BARRENTO JUDITE BERKEMEIER
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